Se você chama o empresário Ronaldo Sobral para uma entrevista sobre ele, ouve-se um sonoro não. Mas, se for para falar sobre a livraria mais antiga do país, Ao Livro Verde, ouve-se música. Ele detalha uma história que caminha para 179 anos, sempre no mesmo endereço e nunca tendo nenhum tipo de descontinuidade, passando pelos principais acontecimentos do país e do mundo como o Império, a República, as duas grandes guerras mundiais, entre outros.
Em 1994, o jornalista Roberto Marinho, por ocasião dos 150 anos da livraria, escreveu um editorial de primeira página com o título “Resistência” citando Ao Livro Verde como exemplo para a cultura do país. Anos depois, quando a livraria quis prestar uma homenagem à Academia Brasileira de Letras (ABL), mais nova do que ela, acabou sendo homenageada durante o tradicional chá dos imortais.
Ronaldo Sobral lembra que Ao Livro Verde se aproxima de dois séculos de existência e que “ a livraria não é minha, e sim de Campos, da história de Campos. Se ela estivesse em uma cidade como Salvador, na Bahia, teria fila na porta para conhecê-la”.
Ao Livro Verde caminha para seus 179 anos, sendo a livraria mais antiga do país. Você tem uma noção do valor desta livraria?
Você pode chamar os mais renomados corretores de negócios, historiadores e pesquisadores para estimar um preço. Eles farão todas as contas e não chegarão a um denominador comum. Isso porque não se pode medir o valor de uma história que está caminhando para dois séculos. Certamente vão encontrar um valor material referente ao preço do prédio. Mas estou falando de uma marca, da marca Ao Livro Verde, reconhecida por instituições diversas. Então essa marca realmente não tem preço, não tendo como medir o seu valor em nenhum tipo de parâmetro.
Mas, você já chegou a esboçar um projeto para viabilizar a marca nacionalmente de forma física, no estilo de franquia. O que houve?
Veja bem. Ao Livro Verde em sua história passou pela abolição da escravidão, a proclamação da República, duas grandes guerras mundiais, gripe espanhola, vários Papas da Igreja Católica e todas as mudanças do mundo. Sempre acompanhando os novos tempos, e quando veio o advento da internet. Cheguei realmente a pensar em estabelecer um processo de franquias, isso há quase 15 anos, o que poderia ser um sucesso financeiro. Mas, como disse, essa marca não tem preço, e a questão financeira passa a ser secundária. Esse passo teria que ser certeiro para não colocarmos em risco essa marca.
A livraria mais antiga do país hoje, Ao Livro Verde tem reconhecimento internacional?
A partir do momento em que, em 1995, o Guinness Book, o mais importante livro dos recordes do mundo, atestou documentalmente que Ao Livro Verde é a livraria mais antiga do país, fica claro o reconhecimento internacional. Até porque, a publicação frisa que a livraria, neste longo tempo, nunca fechou e sequer mudou de endereço. Esse reconhecimento internacional fica ainda mais claro quando recebemos aqui a visita de uma comissão de tradutores de livros do mundo inteiro, com gente falando em diversos idiomas. Quando o assunto no mundo é longevidade de livraria, certamente Ao Livro Verde estará sempre na pauta.
Existe, também, o reconhecimento nacional?
Sim, sem dúvida. Poderia citar aqui dezenas de exemplos, sendo o mais recente deles, há pouco mais de 10 anos, quando Ao Livro Verde decidiu fazer uma homenagem à Academia Brasileira de Letras (ABL), que é uma instituição mais nova do que a livraria. Fui ao Rio de Janeiro para participar do famoso Chá dos Imortais. Era uma homenagem justa, da livraria mais antiga do país para aquela casa de escritores, mas o então presidente da ABL, Marcos Villaça, inverteu tudo. Acabou a livraria sendo homenageada pela Academia Brasileira de Letras, o que me surpreendeu e me emocionou. Foi o reconhecimento dos escritores de que as livrarias são de suma importância. Esse foi um dos grandes momentos da história mais recente de Ao Livro Verde, e registrada pela imprensa nacional.
A imprensa nacional já colocou Ao Livro Verde na pauta várias vezes. Algo que você destacaria?
Nossa relação com a imprensa sempre foi saudável. Em dois de janeiro de 1844, na primeira edição do jornal Monitor Campista, que chegou a ser o terceiro jornal mais antigo do país, Ao Livro Verde fez seu primeiro anúncio, ou seja, a livraria já existia quando o jornal foi lançado. O jornal O Globo, em sua edição de 15 de janeiro de 1994, publicou um editorial de três parágrafos em sua primeira página. Foi escrito pelo próprio Roberto Marinho. O editorial tinha como título “Resistência” e dava os parabéns Ao Livro Verde por sua longa trajetória. Esse editorial foi emoldurado e está aqui em destaque em uma das paredes da livraria. Aqui, recebemos, também, jornalistas da Folha de São Paulo, do Jornal do Brasil, do Estado de São Paulo e de outros jornais do país que fizeram reportagens sobre Ao Livro Verde.
Ao Livro Verde sempre foi ponto de encontro de intelectuais. Você pode citar alguns?
Para não cometer injustiça e esquecer nomes, vou nacionalizar essa resposta: Ao Livro Verde já recebeu a visita de uma comissão formada por todos os imortais da Academia Brasileira de Letras no final dos anos 70. Foi um dia histórico para essa Casa. Alguns imortais depois retornaram isoladamente, como o próprio presidente da ABL à época, Austregésilo de Athayde, a escritora Rachel de Queiroz e o mais assíduo deles, o campista José Cândido de Carvalho.
José Cândido de Carvalho seria um caso à parte, por conta do seu principal romance e pela amizade com seu pai, João Sobral?
Certo. José Cândido de Carvalho, quando escreveu “O Coronel e o Lobisomem”, colocou a livraria no ambiente do romance. O coronel Ponciano Furtado, protagonista do romance, tinha o seu escritório no mezanino da livraria. Então o maior vulto literário de Campos, era amigo do meu pai, tanto que no seu último livro, editado por sua filha após sua morte, “O Rei Baltazar”, é publicado um postal escrito de próprio punho por José Cândido para meu pai. A cultura sempre foi a espinha dorsal de Ao Livro Verde. Todos intelectuais de Campos se reuniam aqui, tanto que fiz, no interior da livraria, o “Café João Sobral”. Aqui tínhamos oficina de poesia para crianças ao tempo em que era vivo o escritor e médico Antônio Roberto Fernandes. Em Ao Livro Verde foram lançados, por seus autores, dezenas de livros e, para não errar, vou citar Alberto Lamego, Hervê Salgado Rodrigues e Oswaldo Lima. Sempre tivemos cercados de autores e seus livros, sendo importante destacar que Ao Livro Verde já teve uma gráfica própria. Por isso, sempre digo que é impossível estabelecer o valor desta história, que é muito rica.
Fale um pouco do começo desta história?
Ao Livro Verde foi fundada pelo português José Vaz Correa de Coimbra no tempo do Império. As mercadorias, como livros, partituras de música para piano, pincéis, tintas para artes, entre outras, chegavam de navio da Europa para atender aos filhos dos imigrantes portugueses. Depois, foi comprada por Cícero Sobral, José Tardim e João Sobral. Hoje, tem um único proprietário, que sou eu. Como estamos falando deste passado, queria lembrar que, naquele tempo, os funcionários de Ao Livro Verde trabalhavam de terno e gravata, em um padrão de atendimento europeu, primando por um atendimento de excelência, o que mantemos até hoje — sem o terno e a gravata, porque os tempos são outros.
Com a pandemia, os encontros de intelectuais aqui diminuíram um pouco?
No curso desta pandemia, ficamos mais de dois anos funcionando com 90% de restrições, quando não fechados. Mas, como disse o jornalista Roberto Marinho em seu editorial sobre a livraria, trata-se da “Resistência”. Aos poucos, esses encontros estão voltando. Nesta pandemia perdemos o nosso colaborador Ricardo Prófilo, que eu considerava bem mais que um funcionário. Mais de duas mil pessoas vieram à loja para pessoalmente dar os pêsames. Foi um momento muito difícil, mas é a “Resistência”, daquele editorial do jornal O Globo.
Você acha que Campos dá o devido reconhecimento para essa história?
Poderia haver mais empenho em dar mais visibilidade. Se Ao Livro Verde estivesse em uma cidade como Salvador, onde o patrimônio cultural é destacado em seu turismo, haveria fila na porta. Em São Paulo, Ao Livro Verde é bastante conhecida e já recebeu cobertura jornalística imensa dos seus principais jornais. O que precisamos frisar é que a livraria não é de Ronaldo Sobral. Essa livraria é de Campos e faz parte da história do município. Não estou aqui propondo um tratamento diferenciado ou de instituição, mas um reconhecimento, pois estamos a caminho dos 200 anos e a “Resistência” tem que ser de todos.