Homenageado na última terça-feira (26) na 6ª Região Integrada de Segurança Pública (Risp), o ex-secretário de Polícia Civil Allan Turnowski deixou o cargo no final de março para assumir outra missão. Pré-candidato a deputado federal pelo PL do governador Cláudio Castro, o delegado pretende levar o que descreve como perfil para outra arena, a política, mas com a mesma dedicação ao tema que dominou durante toda sua vida: segurança pública.
Na bagagem, Turnowski carrega 27 anos de experiência na corporação, foi chefe de Polícia entre os anos de 2010 e 2011, durante o governo de Sérgio Cabral, e secretário de Estado de Polícia Civil de Castro nos últimos 2 anos. Em sua última passagem pelo Executivo, encerrada no fim de março, encabeçou um plano de repressão à criminalidade organizada, com foco no combate às milícias.
Nessa entrevista, o delegado fala sobre as particularidades e desafios do combate ao crime no interior do Rio, em especial nas regiões Norte e Noroeste Fluminense. Também aborda a estratégia que levou à diminuição da prática dos crimes que mais afetam as populações dessas partes do Estado, seu projeto de aumentar o contingente da corporação, e a decisão de se candidatar a cargo eletivo após experiência em gestão.
Quais são as características do interior do Rio, e mais especificamente do Norte Fluminense, do ponto de vista da segurança pública? Quais são os crimes mais comuns e os principais desafios?
A diferença é que no interior a tendência é ter menos mecanismos de violência, menos armas e comunidades menores. Então, a polícia consegue atuar de forma orgânica só com os policiais da região. A capital cresceu demais. Às vezes tem complexos em que não conseguimos atuar apenas com o batalhão e a delegacia da área. Nesses casos, temos que fazer mega operações. É o tipo de resposta que a polícia normalmente classifica como um grande trabalho. E isso realmente é um bom resultado. Mas, o que atinge o cidadão mesmo é o crime de bairro: furtos, estelionatos e roubos nas ruas. Por isso, é necessário ter uma Delegacia Distrital forte em todas as áreas, que atue em todos os segmentos, inclusive homicídio, visto que o interior não tem delegacia especializada nesse tipo de crime. Nossa passagem pela secretaria buscou fortalecer essas delegacias para que elas pudessem fazer um bom trabalho.
Como as facções criminosas atuam no interior do estado?
No Norte Fluminense tínhamos um forte problema com tráfico de drogas e homicídios. Se olharmos o trabalho desenvolvido no departamento regional, vemos os menores índices de homicídio e um combate efetivo ao tráfico de drogas. Campos, hoje, tem índices muito bons. Chegou a ficar dois meses sem registrar homicídios, o que é inédito no histórico da região.
Hoje, quais são os principais pontos de preocupação no Norte Fluminense?
Trabalhamos para interromper a migração da violência, por meio de facções, da capital para o interior. Na época das instalações das Unidade de Polícia Pacificadora, as UPPs, essa migração aconteceu de forma muito rápida e forte. As comunidades do interior receberam a criminalidade do Rio, inclusive com fuzil. Isso acabou aumentando muito a violência na região. Quando assumimos, conseguimos regredir a chegada desse tipo de criminoso. Na minha visão o que vai regredir ainda mais esses números é fortalecer o interior com efetivo maior por meios de concurso público. A solução, para mim, no interior é essa: colocar cerca de mil homens nas delegacias locais.
Falando em reforçar o efetivo, essa foi uma das suas lutas enquanto secretário. No último dia 18, o governador Cláudio Castro sancionou dois projetos de Lei que derrubam a cláusula de barreira e acabam com a limitação de vagas em concursos para a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Que tipo de dificuldades a Polícia Civil enfrenta hoje com o quadro atual de servidores?
A Polícia Civil passou quase 10 anos sem concurso público. Aí, você coloca na conta os policiais que se aposentaram e os que passaram por readaptação funcional. O efetivo da Polícia Civil hoje é de oito mil homens. Desses, dois mil estão em abono permanência e outros dois mil nas áreas administrativa e de perícia. Na ponta do lápis, trabalhamos com quatro mil agentes quando o efetivo ideal é de 12 mil. Isso foi um grave erro no planejamento da segurança pública no Rio de Janeiro. Qual foi a nossa estratégia? Abrimos concurso público para perito, investigador, inspetor, delegados e técnicos. A previsão é de que, na segunda etapa do concurso, tenhamos quatro mil pessoas aprovadas, com expectativa de abertura de outras duas mil vagas no futuro próximo. Mesmo assim, o efetivo continuará abaixo do ideal.
Outro assunto a que você dedicou especial atenção durante sua passagem pela pasta foi a atuação das milícias? Elas também trabalham para interiorizar seus negócios? Como elas se diferem das facções criminosas?
Temos algo embrionário sim, mas o principal problema no interior ainda é o tráfico de drogas. Hoje tanto a milícia quanto o tráfico atuam de forma muito parecida. Antes, a milícia cobrava por serviço e o tráfico vendia drogas. Isso é passado. Atualmente, o maior faturamento das duas organizações é com cobrança de serviço. Eles cobram gás, taxa do comerciante, gatonet, transporte alternativo. Isso gira em torno de 70% do faturamento de uma comunidade.
Em 2011, o principal método de combate a organizações criminosas era atacar o fluxo financeiro desses grupos. O problema foi que esqueceram de valorizar a prisão. Falavam que se prendesse um viria outro e então, não valeria de nada, mas a prisão resolve sim, senão o traficante e o miliciano ficarão por anos sendo referência na região, até para crianças. Foi essa mudança que a gente trouxe na gestão Cláudio Castro. Prendemos mais de 1,2 mil milicianos, incluindo lideranças como Ecko, Macaquinho e Latrel ao mesmo tempo em que atuamos forte no combate à lavagem de dinheiro. E continuamos atacando o fluxo financeiro em parcerias com órgãos federais, estaduais e municipais. Demos prejuízos de R$ 2,5 bilhões a esses grupos.
O Programa Cidade Integrada, que sucedeu as UPPs, recolocou a ocupação de favelas do Rio na Pauta. Como você vê a presença de forças de segurança em locais dominados pelo crime organizado? É possível trazer estabilidade social e abrir espaço para a presença do Estado nessas comunidades?
Acredito que sim. Dizem que as UPPs não deram certo porque não houve ações sociais. É mentira. Tivemos creche, bancos, saneamento. Entraram serviços de internet e gás legalizados. É corretíssimo dar dignidade à criminalidade. Mas esses problemas sociais não são a origem da criminalidade. A Rocinha, por exemplo, tem 120 mil pessoas. Dessas, no máximo 500 são bandidos. Nem 1% da comunidade é bandido. Então, a questão desses problemas sociais não é a causa da criminalidade. Se fosse o problema, teria 99% da favela de bandido e menos de 1% de cidadãos de bem. O problema é quando você pega essa pequena porcentagem de bandidos e quer tratar como cidadão. Agora com o Cidade Integrada, quem cuida de toda parte de habitação, saneamento e esporte para a comunidade são os secretários de sua pasta gerenciados e liderados pelo governador. A polícia tem como função evitar que o tráfico venha, para que o Estado possa entrar e implementar as políticas sociais. É o maior equívoco querer justificar a volta do traficante usando a parte social como argumento. Não é isso que gera criminalidade e sim o lucro que traficantes e milicianos sempre vão procurar obter. Independentemente de ser uma região com ou sem ações sociais e econômicas.
O Rio de Janeiro é o quinto estado em letalidade policial no país. Em fevereiro o STF impôs ao governo estadual a elaboração de um plano para reduzir o número de mortes causadas por agentes de segurança. Qual é a causa e como lidar com esse problema?
A questão da letalidade é muito simples. A reação da polícia depende da ação do criminoso. O policial vai prender um criminoso e ele atira, é legítimo e previsto em lei que o policial pode reagir para não morrer. Letalidade violenta tem que ser estudada nos detalhes. Quem a polícia enfrentou? Como e de quem foi essa morte? Foi de um inocente? Ou foi de alguém, que atirou para matar os agentes? Se for de alguém assim, é legítima a ação de revidar e é isso que ocorre.
As organizações criminosas estão organizadas politicamente e nas redes sociais e querem que essas ações gerem problema para a polícia, para que ela não volte mais nesse local. E esse sistema funciona muito bem. Hoje, eles conseguiram convencer alguns ministros, que não percebem que isso é uma grande armadilha.
Quando alguém critica a operação policial e defende o traficante, a pessoa está calando a sociedade. Ninguém reclama que o tráfico está lá, apenas quando a polícia chega a esses locais. É aí que vem a minha crítica às entidades de direitos humanos. Porque ninguém pede para que a polícia atue para proteger a sociedade, o cidadão de bem?
A maior luta é sair da esfera de operação policial e ir para a luta política contra essas organizações.
Quando se discute políticas de segurança pública o tema da desmilitarização eventualmente reaparece. Acredita que seja uma mudança benéfica?
As Polícias Civil e Militar sempre historicamente foram tidas como instituições que sempre brigaram e com muita corrupção. Essa é uma visão que se relaciona com a existência da antiga secretaria de Segurança, que era ocupada por um ente político. Ele intermediava a relação das polícias com o governador, quando todas as demais pastas tratavam diretamente com ele. A secretaria de Segurança justificava sua existência com o argumento de que era necessário alguém para gerenciar esse tumulto. Então, se você sobrevive em cima da briga e da corrupção, você tem que fomentar isso. Como? Dando mais recursos para um que para o outro, diz que não deu porque agiram nos bastidores. Então, você fomenta esse conflito. Por outro lado, toda vez que você prender alguém corrupto, você bota na página do jornal.
Com a extinção da secretaria de Segurança Pública e a criação das secretarias de Polícia Civil e de Polícia Militar, as corporações passaram a trabalhar muito bem em cooperação. Cada uma com seu próprio orçamento, sem ter que disputar recursos, sem gastar R$ 10 milhões de gratificação de cargos especiais com cabide de emprego, que era o que tinha na antiga secretaria de Segurança. Era uma estrutura tão pesada que não tinha dinheiro para as polícias.
No ano passado, o STF autorizou, por maioria de votos, que todos os integrantes de guardas municipais do país tenham direito ao porte de armas de fogo, independentemente do tamanho da população do município. Como você vê o uso de armas por guardas municipais?
Vejo da melhor forma possível. Acho que tanto o Degase quanto as guardas municipais podem ser armados, desde que sejam capacitados. Se o profissional da segurança pública do município for treinado para não cometer erros usando armamento, acho que está correta a decisão de armá-lo.
E o uso de arma de fogo pelo cidadão? Acredita que a ampliação do acesso da população às armas pode colaborar para a melhoria dos índices de segurança pública ou não?
É um conceito só. Aqueles que têm perfil e querem andar armados vão se colocar em uma situação de risco maior, pessoalmente. Porque, hoje, se você for roubado e tiver uma arma, talvez aconteça um latrocínio. Mas, isso é uma opção da pessoa. O que temos que ter, seja para o policial civil, para o policial militar, para a guarda municipal, para o degase ou para a população que queira estar armada, são leis rígidas para punir o mau uso da arma. É isso que resolve.
Você decidiu concorrer a deputado federal, com as bênçãos do governador Cláudio Castro. Porque a opção pela política?
Nesses últimos 15 anos, uma boa parcela da sociedade foi testada em uma política, em uma ideologia, de que o encarceramento não é a solução do crime. Fazem de tudo para o criminoso não ficar preso, pois, em tese, voltaria mais perigoso. Mas um traficante ou um ladrão, mesmo que cumpra muito tempo de pena, não vai ser ressocializado. Por isso que se tira ele do convívio da sociedade por mais tempo, para que não volte a delinquir e sirva de exemplo para outros. “Aquele cara era ruim, fazia o mal, mas está preso”. O exemplo dele serve para que outros não entrem no crime. E se, durante esse percurso lá dentro, a gente conseguir ressocializar ele, aí sim, ótimo, vamos trazer e dar emprego, pois essa é a principal intenção da prisão. Mas, hoje, o cara furta o trabalhador e é solto na audiência de custódia se tiver domicílio fixo. Será que é isso que a sociedade quer? A lei é fruto da vontade da maioria, que se impõe à maioria, e não o inverso, como está acontecendo. Tem que ter alguém para contar essa história, porque a sociedade, posso garantir, não sabe disso. A pessoa acha que, quando a polícia prende, o criminoso vai ficar preso, porque ele não volta na casa dela no dia seguinte, mas já está solto, furtando outras residências. A sociedade precisa entender o que está acontecendo e optar se quer isso ou uma lei mais dura, que não só criminalize, como não permita a progressão de regime.
Além da segurança pública, quais são suas outras pautas?
A minha pauta principal é segurança porque é o que vivi a vida toda. Mas, conversando com a sociedade, há uma carga tributária muito grande em cima de uma faixa da população, que acaba gastando muito dinheiro e não tendo retorno daquilo que entrega ao Estado. Então, ou se aplica bem esse recurso ou diminui a carga tributária do contribuinte. Tem diversos segmentos que nos procuram, que explicam suas dificuldades. A gente vai trabalhar, entendendo cada um desses segmentos, por aquilo que a gente acredita que vai transformar o Brasil.