×
Copyright 2024 - Desenvolvido por Hesea Tecnologia e Sistemas

O sonho cada vez mais cedo de se transformar em influencer

Inspiradas nos sucessos de adolescentes que ganharam milhões de seguidores, crianças apostam nas redes sociais

Geral
Por Gabriela Lessa
20 de março de 2022 - 0h01
Pillar Martins | Desejo de
conquistar a Internet (Fotos: Silvana Rust)

O mundo digital se tornou parte da vida de mais de 50% da população mundial e, em 2021, o Brasil ficou em 3º lugar entre os países que mais usam redes sociais, segundo pesquisa da plataforma Cupom Válido. Em se tratando dos jovens brasileiros, entre 8 e 23 anos, um levantamento realizado pela Innova Market Insights, também no ano passado, apontou que 75% querem ser influenciadores digitais e seguir carreira no ramo. Entretanto, esse movimento preocupa especialistas, que alertam os pais para a importância de encontrar equilíbrio na Internet, pois o uso excessivo pode desenvolver o desinteresse educacional e afetar a saúde mental.

Psicopedagoga | Rachel alerta para excesso nas redes

Segundo a psicopedagoga Rachel Vasconcelos, o uso exagerado e desequilibrado da Internet pode proporcionar desatenção, pouco foco e pouco interesse não só no desenvolvimento cognitivo e pedagógico, como nos aspectos sociais e afetivos, que são muito importantes para todos.

“Isso pode gerar o afastamento social, o baixo foco de atenção nos compromissos escolares, o baixo desempenho acadêmico, além de afetar negativamente as funções executivas e aspectos afetivos e emocionais. O jovem pode voltar sua atenção e interesse para o mundo digital e perder a atenção, organização e estímulo para compromissos naturais que fazem parte da vida de um adolescente como: momentos de interação com familiares, pesquisas e estudos em grupo, oportunidades de trocas sociais e afetivas, obviamente presenciais”, disse a psicopedagoga.  

Psicólogo | Sharlys Jardim orienta monitoramento

O psicólogo Sharlys Jardim explica que o ser humano passa por etapas de desenvolvimento e, após os 11 anos de idade, os adolescentes passam por um processo de construção da identidade e formação da personalidade. “Acabam se deparando com a confusão, muitas vezes, de não reconhecerem mais os seus sentimentos e pensamentos, outrora infantis e sem maldade, e que agora, na adolescência, se tornam mais tendenciosos ao pensamento crítico e malicioso da vida, muito também pela influência orgânica hormonal. Posto isso, compreendo que ser um influenciador digital nesse período de construção de personalidade se torna muito perigoso, uma vez que o reconhecimento de si não se dá pela sua própria escuta interna ou autoconhecimento, mas pelo que o mundo digital compreende como rentável monetariamente”, analisa.  

Karla Martins é mãe da pequena influenciadora digital Pillar, de 10 anos, e entende a necessidade de manter uma rotina na vida da filha e impõe limites. “Os horários dela são todos divididos. Ela vai para a escola no período da manhã e tem que separar duas horas para estudar à tarde e ainda tem a natação. Agora ela também vai ao psicólogo, porque achei importante esse acompanhamento. E apenas uma horinha para gravações para as redes sociais. Fora isso, quando ela quer conferir alguma coisa no perfil dela, nós deixamos, mas sempre perto de mim, do pai, do irmão ou da cunhada. Estamos sempre observando, porque ela ainda é bem infantil, então não entende algumas coisas”, conta.

Influenciadora digital mirim
Apesar de ter apenas 10 anos, Pillar é bem articulada, carismática e diz que sonha em crescer nesse mundo de “Digital Influencer”. “Eu vejo as pessoas fazendo e acho super legal. Me inspirei na minha dindinha, então eu decidi tentar e, foi isso, virei influenciadora (risos). Eu acho legal ficar gravando para a Internet. Gosto de gravar um pouco da minha rotina, algumas danças e as atividades que tenho no meu dia a dia”, disse.

Jovem sonha em ser uma
grande influenciadora e tem o apoio da mãe, Karla

A mãe de Pillar conta que a filha começou a se interessar por gravar vídeos e tirar fotos quando tinha 8 anos, se inspirando na tia, que é influenciadora digital. “Ela pegava o celular do pai e foi tomando gosto por gravar. Fazia vídeos dançando, entrevistando as amigas e foi aí que vi que ela tinha jeito para isso. E a minha primeira reação foi apoiar, porque é algo que ela gosta de fazer e não está atrapalhando nos estudos”, fala.  

Em dois anos se dedicando à nova rotina de influenciadora, a Pillar já tem alcançado engajamento nas redes e parcerias com lojas de pijamas e roupas e, inclusive, já participou de desfiles de moda.

Supervisão ao acessar à Internet
Entretanto, apesar de Karla respeitar o desejo de Pillar de dedicar parte do seu tempo para as redes sociais, ela explica que não abre mão de acompanhar de perto. “A minha maior dificuldade é vigiar as redes, porque é um meio que precisamos ter muito cuidado, principalmente quanto a pedofilia. Estamos sempre monitorando o celular dela e conversando. Eu informo a ela tudo o que está acontecendo, porque, apesar da idade ser pouca, a cabecinha é boa, então ela entende. Eu explico o que é certo e o que é errado, digo para não aceitar no perfil ninguém que ela não conheça e falo que tudo ela pode me contar. Dessa forma eu fico mais segura.”

E Pillar diz entender todas as exigências e orientações da mãe. Segundo a influenciadora digital mirim, a rotina de usar as redes sociais não atrapalha as outras áreas, porque ela sabe que precisa ter um momento próprio para cada coisa. E, além disso, segue todas as recomendações da mãe. “Não posso postar músicas com xingamento, porque às vezes eu postava e não sabia o significado dessas palavras, mas minha mãe me explicou que não posso usar músicas com palavras que não são para a minha idade. Também não devo gravar ninguém sem autorização, nem gravar vídeos com biquínis e essas coisas assim”, disse.  

O psicólogo Sharlys Jardim explica sobre a importância desse acompanhamento. “O momento em que a criança está nos primeiros anos escolares, dos 5 anos até os seus 11, estão sendo desenvolvidos seus sentimentos positivos ligados à produtividade, reconhecimento, habilidade e os negativos: inferioridade, disputa, rejeição, etc. Esta fase deve ser muito bem observada e acompanhada pelos pais. Deixar as crianças desacompanhadas de um adulto, no universo digital, pode causar traumas, em muitos casos, irreversíveis a essa idade, que fatalmente refletirão na sua fase adulta. O momento é de cuidado, zelo e comunhão ativa  com os filhos. Ouvir uma criança é dar a ela a oportunidade de ser vista, notada e atendida.”  

Vício em redes sociais e reflexos emocionais
Junto ao monitoramento das redes sociais, Karla Martins também conversa com a filha sobre os limites da Internet, para que isso não se torne um vício para ela. De acordo com o psicólogo, é importante o diálogo dos pais com os filhos, para que a Internet não seja o refúgio dos jovens, ocasionando o distanciamento do mundo real.

“Quando os pais não se abrem ao diálogo dentro da dinâmica familiar dos seus filhos, muitos adolescentes acabam se baseando nas influências externas e, em sua maioria, são digitais, aliado a outros adolescentes que apresentam a mesma ausência de referência familiar, que incentivam tendências, como: a não aceitação ao próprio corpo, ausência de valores à vida, gerando o incentivo a ideação suicida; violência indiscriminada ao outro, e outros fatores proeminentes”, finaliza Sharlys Jardim.