×
Copyright 2024 - Desenvolvido por Hesea Tecnologia e Sistemas

Lei que beneficia doadores de sangue e órgãos é considerada inconstitucional por especialistas

Idealizada pelo vereador Ivan Machado (PTB) e sancionada pelo prefeito Rafael Diniz, a Lei nº 8.907 feriria alguns princípios

Política
Por Ocinei Trindade
29 de maio de 2019 - 18h06

Vereador Ivan Machado é filiado ao PTB e está em seu primeiro mandato ( Foto: Reprodução)

No dia 16 de maio, o prefeito de Campos Rafael Diniz sancionou uma lei criada pelo vereador Ivan Machado (PTB) que beneficia doadores de sangue, órgãos e medula óssea para terem preferência de atendimento em estabelecimentos bancários, comerciais e repartições públicas. Pelo texto, caberá ao governo municipal informar, fiscalizar e multar quem não obedecer a Lei nº8.907. Porém, para alguns advogados e especialistas em legislação, a lei que já está em vigor, apresenta falhas e seria inconstitucional por ferir alguns princípios.

De acordo com o texto proposto pelo vereador Ivan Machado, doadores de sangue, órgãos e medula óssea terão um documento oficial de identificação que assegurará a preferência de atendimentos em estabelecimentos bancários, comércios e repartições públicas. A Lei Municipal nº8.907 deve estar afixada em local visível. Compete à Prefeitura de Campos acompanhar, executar e fiscalizar o cumprimento da lei. O descumprimento poderá ser denunciado ao Procon, com multa prevista de até 10 Uficas (Unidade Fiscal de Campos) ou R$1062,70 para casos de reincidência.

Carlos Alexandre Campos considera que a lei fere princípios (Foto: Silvana Rust)

Com mestrado e doutorado em Direito Público, o professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Carlos Alexandre de Azevedo Campos, avalia que a lei sancionada não teria competência municipal. “Esse horário preferencial é um estímulo aos doadores, contudo, penso que apenas poderia alcançar estabelecimentos públicos. Impor esse tipo de obrigação aos estabelecimentos privados implica intervir na relação desses com os seus consumidores, o que não é competência material dos municípios. Assim, vejo inconstitucionalidade formal da lei”, diz Carlos Alexandre.

Cristiano Miller preside a OAB-Campos (Foto: Acervo pessoal)

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil /Subseção Campos, Cristiano Miller, a Lei Municipal estaria ferindo o princípio de isonomia. “Em uma análise inicial, parece-me que a lei em questão é inconstitucional, pois fere o princípio da isonomia. Isso porque dispensa um tratamento especial e privilegiado a pessoas que não carecem desse tratamento. Em outras palavras, trata de forma desigual aqueles que são iguais”, considera o presidente da OAB.

O procurador de Justiça e ex-diretor da Faculdade de Direito de Campos, Levi Quaresma, pondera sobre a constitucionalidade da lei municipal, considerada válida por ele.

“Opinião contrária à constitucionalidade assentar-se-ia no Princípio da Generalidade (serviços Iguais para todos), afrontando um outro Princípio Geral, o da Isonomia (todos são iguais perante a Lei). Igualdade é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. A dificuldade da abordagem dos que a entendem inválida e inconstitucional, é não perceber que os destinatários/beneficiários principais da lei são os cidadãos que necessitam das doações, em defesa do bem maior da vida! De um lado, uma lei incentiva a solidariedade; de outro, um pequeno aborrecimento de ver um outro cidadão passando a sua frente na fila. Por que isso? Porque ele, anteriormente doou  seu tempo e sangue para salvar vidas humanas”, defende.

Procurador de Justiça Levi Quaresma defende a lei (Foto: Silvana Rust)

Para o vereador Ivan Machado, a lei foi criada com o objetivo de estimular a doação de órgãos, medula óssea e sangue. Ele se diz tranquilo quanto à constitucionalidade da lei. “Antes de ser aprovado, o texto passou pela Comissão de Constituição e Justiça, além de ter sofrido  emenda. Na CCJ, houve aprimoramento da proposta. Não tenho temor. O próximo passo é regulamentar a lei, encaminhar ao Hemocentro e ao NF Transplantes o pedido para a emissão de documentos de doadores e cobrar da Prefeitura o cumprimento da lei”, disse o vereador que é cirurgião dentista, milita na política há 40 anos  e está em seu primeiro mandato.

Procuradoria da Câmara Municipal de Campos dos Goytacazes

Em nota, a Procuradoria da CMCG disse que “o parecer da Procuradoria Legislativa limita-se em observar a regimentalidade das proposições legislativas. Não compete à mesma adentrar o mérito dos projetos no que tange a Constitucionalidade e Legalidade, sob pena de esvaziar a atribuição exclusiva da Comissão de Constituição, Legislação, Justiça e Redação Final, conforme preceitua o art. 54 e seus parágrafos, todos dispostos no Regimento Interno”.

Comissão de Constituição, Legislação, Justiça 

O presidente da Comissão de Constituição, Legislação, Justiça e Redação Final da Câmara de Vereadores de Campos dos Goytacazes, Cláudio Andrade, em resposta ao questionamento feito pelo Jornal Terceira Via esclarece o seguinte: “A CCJ não faz análise política de nenhum Projeto de Lei oriundo dos gabinetes dos vereadores, sejam eles de situação ou oposição. A nossa incumbência é analisar a constitucionalidade do que se pretende transformar em Lei e ainda se o município possui a competência para legislar na questão apresentada. No caso da Lei 8.907, sancionada pelo prefeito Rafael Diniz, de autoria do vereador Ivan Machado, cujo o relator foi o vereador Genásio, quero deixar claro que o parecer da CCJ foi pela constitucionalidade amparado na jurisprudência do STF, logo não ferindo, em momento algum, a Carta Magna. Vale ressaltar que o Princípio da Isonomia não deve ser analisado de forma estática. Sendo assim, o projeto de lei tramitou de forma correta pela casa, foi aprovado em plenário e sancionado pelo prefeito Rafael Diniz, se tornando lei em vigor em todo o território municipal”

 

Nota da Prefeitura

De acordo com publicação do governo municipal em defesa da lei municipal, “a doação de sangue salva milhares de vítimas todos os dias e o Hemocentro do Hospital Ferreira Machado O setor vem passando por situação crítica com o estoque bem abaixo do ideal para atender toda a demanda (além de vítimas de acidentes, o hemocentro também fornece sangue para as cirurgias eletivas em hospitais públicos e particulares). A Câmara Municipal aprovou, por unanimidade, projeto de lei de autoria do vereador Ivan Machado concedendo estes benefícios aos doadores de sangue, órgãos e medula. Segundo a Procuradoria Geral do Município, por considerar o tema extremamente relevante e sem vícios jurídicos, o prefeito Rafael Diniz sancionou a lei publicada no Diário Oficial do Município na segunda-feira (27).

 

Lei Municipal na íntegra

Lei nº 8.907, de 16 de maio de 2019. Dispõe sobre o atendimento preferencial aos doadores de sangue, órgãos e medula óssea em Campos dos Goytacazes e dá outras providências. A CÂMARA MUNICIPAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES DECRETA E EU SANCIONO A SEGUINTE LEI:

Art. 1º – O atendimento preferencial aos doadores de sangue, órgãos e de medula óssea no Município de Campos dos Goytacazes, fica assegurado na forma definida nesta Lei.

Art. 2º – Para receber o atendimento preferencial de que trata a presente Lei, o doador apresentará a carteira de “Doador de Sangue, Órgãos e Medula Óssea” emitida por órgão competente, conforme disposição legal, que deverá estar dentro do prazo de validade.

Art. 3º – A obrigatoriedade de disponibilizar o atendimento preferencial aos doadores de sangue, órgãos e medula óssea, onde o fluxo de clientes exija a formação de filas, abrange: I – Os bancos, as casas lotéricas, os supermercados, os hipermercados, bem como os demais estabelecimentos comerciais; II – Todos os setores de atendimentos administrativos em órgãos públicos municipais.

Art. 4º – Todos os estabelecimentos discriminados no Art. 3º deverão afixar sinalização em local visível, especificando a garantia de preferência e prioridade de atendimento às pessoas doadoras de sangue, órgãos e medula óssea, devendo nela constar o número desta Lei.

Art. 5º – Competirá ao Poder Executivo, por meio de órgão competente, o acompanhamento, execução e fiscalização da presente Lei.

Art. 6º – Fica garantido a qualquer cidadão denunciar ao PROCON, de forma escrita ou oral, a infração dos estabelecimentos elencados no art. 3º, inciso I, sujeitando-os as seguintes penalidades: A – Advertência, contendo a orientação para suprir a irregularidade no prazo de 30 (trinta) dias; B – Na reincidência, multa de 10 UFICAS, de forma acumulativa até a cessão da irregularidade. Parágrafo Único – Recebida à denúncia o órgão formalizará o devido processo legal para apurar a infração.

Art. 7º – Em caso de descumprimento da presente Lei, por funcionário público este, após o devido processo legal será responsabilizado, ficando sujeito as penalidades previstas em Estatuto próprio.

Parágrafo Único – A denúncia deverá ser feita por escrito e entregue no Protocolo Geral da administração, devendo o denunciante acostar os seguintes documentos: A – Cópia da Carteira de Identidade e do CPF, B – Comprovante de residência, C – Procuração com firma reconhecida.

Art. 8º – Esta Lei entra e vigor na data de sua publicação. PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES, 16 de maio de 2019. Rafael Diniz – Prefeito –