Por ALOYSIO BALBI, lioresal reviews Antabuse online GUSTAVO ARAÚJO e THIAGO GOMES
O Rio Paraíba do Sul é lindo de se ver. Suas águas barrentas serpenteiam entre montanhas, atravessando a vastidão da planície até desembocar num delta cercado de manguezais. Mas talvez as agressões que o principal curso d’água do estado do Rio de Janeiro sofra ao longo de seus 1.150 quilômetros não sejam tão notadas quanto sua beleza. Aliados à seca dos últimos três anos, os vários pontos de represamento do rio já desencadearam o processo de salinização de suas águas, das lagoas e dos canais do seu entorno na região, alerta o Comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana. Isso tem influenciado de forma negativa a agricultura, além de causar problemas à vegetação e aos peixes. Ainda segundo o Comitê, apenas 1/3 do rio chega até Campos. Mais da metade de seu volume fica pelo caminho entre barragens e pontos de transposição.
O despejo de esgoto, o assoreamento de suas margens, as barragens e as transposições estão tirando a força do velho rio, cuja bacia, com área de 62.851 km2, impacta diretamente a vida de milhões de pessoas em 184 municípios dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. O diretor-presidente do Comitê do Baixo Paraíba, João Siqueira, denuncia que, com o leito enfraquecido, o mar tem avançado cerca de 8 quilômetros rio adentro. Este fenômeno é chamado de intrusão salina e, até poucos anos atrás, sua média não passava de um quilômetro.
“Atualmente, o maior problema enfrentado pelo Paraíba em nossa região é a retirada de água do seu leito, seja por meio de barragens ou pontos de transposição. Isso, juntamente com a falta de chuva, tem causado a seca do rio. Por sua vez, a seca do Paraíba tem ocasionado também a seca dos outros rios e lagos do entorno, já que a água deles acaba drenada pelo lençol freático. Sem falar no processo de salinização dessas águas. Até a água do poço que o pequeno agricultor usa para matar a sede dos animais e irrigar a plantação está mais salobra. E esse excesso de sódio prejudica a agricultura e até os manguezais”, alerta Siqueira.
OBRAS DE TRANSPOSIÇÃO QUASE PRONTAS
As obras de transposição das águas do Rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira, em São Paulo, já estão quase concluídas, de acordo com o diretor-presidente do Comitê do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana, João Siqueira. O projeto prevê a transferência de água da Represa Jaguari (afluente do Paraíba), no município paulista de Igaratá, para a Represa Atibainha, em Nazaré Paulista.
A transposição foi alvo de polêmica porque o Paraíba corta três estados. Um acordo entre os governos do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais precisou ser costurado no Supremo Tribunal Federal (STF), com ajuda da Agência Nacional de Águas (ANA). Siqueira participou das negociações e revela que uma das condições fixadas no pacto para a transposição é que ela ocorra somente nos períodos de cheia ou de normalidade do Paraíba. “Visitei recentemente as obras e vi que elas estão praticamente concluídas. São quase 15 quilômetros de adutora”, relata.
O estrago causado no Norte Fluminense pela transposição das águas do Paraíba para o Sistema Cantareira deve ser mínimo, perto do impacto que já é causado pela transposição para o Sistema Guandu, que abastece a Região Metropolitana do Rio.
“Enquanto ficou acordado que a retirada de água para São Paulo será de 5m³ por segundo, mas já são desviados do Paraíba 160m³ por segundo para abastecer a Grande Rio. No caso do Sistema Cantareira, a água só será retirada se o rio estiver em condições. Mas, para o Sistema Guandu, as condições do Paraíba não importam e a transposição é feita noite e dia, de forma ininterrupta”, analisa Siqueira.
DIMINUIÇÃO DO VOLUME DE ÁGUA SERIA A CAUSA DO AVANÇO DO MAR
A histórica degradação do rio já rendeu diversos estudos científicos. Um deles, elaborado pelo Centro Norte Fluminense para Conservação da Natureza (CNFCN) a pedido do Ministério Público Federal, indica um dado preocupante: por causa de barragens e desvios ao longo de seu trajeto, o Paraíba perdeu 45% de sua descarga líquida no mar. Esta diminuição seria a principal razão do avanço do mar sobre o Pontal de Atafona.
A principal intervenção foi a barragem de Santa Cecília, no município de Barra do Piraí, construída na década de 1952 para abastecer a cidade do Rio de Janeiro. Este sistema subtrai do rio 160 m3 de água por segundo – mais da metade da vazão total do rio neste trecho, que é de 250 m3 por segundo. Restam ao Paraíba 90 m3 por segundo, que, até a foz no litoral de São João da Barra, recebem as águas dos rios Paraibuna de Minas, Piabanha, Grande, Pomba e Muriaé, além de afluentes menores. Ainda assim, não é suficiente para que o rio tenha a força do passado, quando Campos chegava a receber navios de médio porte.
Outras barragens ao longo do curso do Paraíba ajudam a sufocá-lo, como as das Usinas Hidrelétricas de Paraibuna, Santa Branca, Funil, Simplício e Ilhas dos Pombos. Aponta o estudo do CNFCN: “Barragens em rios mudam seu regime hídrico. Os cursos d’água são considerados ecossistemas lóticos, ou seja, sistemas hídricos de água corrente. As barragens fragmentam os cursos d’água criando enormes lagos e mudando o regime deles de lótico para lêntico, vale dizer, de água fluente para água dormente. Em outras palavras, de rios para lagos. Essa mudança afeta profundamente a fauna aquática, condenando muitas espécies à extinção”. Esta tese ajuda a explicar a diminuição na quantidade de peixes e outras espécies, como a lagosta, que até a década de 1980 movimentava um grande festival em São Fidélis.
O rio também sofre com a poluição de suas águas. Segundo informações do Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, diversos fatores contribuem para sua degradação, tais como o desmatamento indiscriminado das margens, que gera erosão; a retirada de areia para a construção civil; o uso indevido de agrotóxicos; a ocupação desordenada do solo; e a pesca predatória.
Com relação ao saneamento básico, a situação é crítica: o Paraíba recebe 1 bilhão de litros de esgoto doméstico por dia. Noventa por cento dos municípios que compõem a bacia não contam com estação de tratamento de esgotos. A estes dejetos, somam-se 150 toneladas de DBO (Demanda Rio-Química de Oxigênio) por dia, correspondente ao despejo de resíduos industriais.
UM BANHO DE SUJEIRA
Uma das fotos mais famosas da política fluminense teve como cenário o Paraíba. Clicada em 22 de maio de 1982, ela mostra o então governador do estado, Chagas Freitas, banhando-se nas águas do rio em Campos. Dez dias antes, um vazamento de rejeitos tóxicos da Companhia Paraibuna de Metais, em Juiz de Fora (MG), despejava no Rio Paraibuna uma carga de cádmio e chumbo que logo chegaria ao Paraíba, destruindo sua flora e provocando a morte de milhares de peixes. O lixo tóxico, cancerígeno, obrigou à interrupção do abastecimento de água em Campos e outras cidades. Para sinalizar que a situação havia se normalizado, o governador visitou Campos e, de bermuda, banhou-se nas águas do rio.
Chagas Freitas não imaginava que o pior ainda estava por vir. Em abril de 2003, o rompimento de um antigo reservatório da indústria Cataguazes Papéis, também em Minas Gerais, fez com que 1,2 bilhão de litros de água com produtos químicos atingissem o Rio Pomba, outro afluente do Paraíba. Diversas cidades tiveram o abastecimento interrompido e as praias de São João da Barra foram interditadas em decorrência do acidente, considerado o pior da história do estado do Rio.
Quatro anos depois, em 10 de janeiro de 2007, o rompimento de um dique da mineradora Rio Pomba Cataguazes, em Miraí (MG), provocou o derramamento de 2 bilhões de litros de lama misturada com bauxita e sulfato de alumínio no Rio Muriaé, que desemboca no Paraíba próximo à área urbana de Campos. Em março de 2006, a mesma empresa tinha sido envolvida em outro vazamento.